quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Trecho do Canto Quarto dos Cantos de Maldoror, de Lautréamont

"Estou sujo. Os piolhos me roem. Os porcos, quando me olham, vomitam. As crostas e as pústulas da lepra escamaram minha pele, coberta de pus amarelado. Não conheço a água dos rios, nem o orvalho das nuvens. Sobre minha nuca, como sobre um monte de esterco, cresce um enorme cogumelo, com seus pedúnculos umbelíferos. Sentado em um móvel informe, não movo meus membros há quatro séculos. Meus pés assentaram raízes no solo, e compõem, até meu ventre, uma espécie de vegetação vivaz, cheia de ignóbeis parasitas, que ainda não deriva da planta, e que já não é mais carne. Contudo, meu coração bate. Mas como poderia ele bater, se a podridão e as exalações do meu cadáver (não ouso dizer corpo) não o nutrissem abundantemente? Debaixo da minha axila esquerda, uma família de sapos fixou residência, e quando um deles se mexe, me faz cócegas. Cuidado para que não escape um, e não venha escavar, com sua boca, o interior de vossa orelha; seria capaz, em seguida, de penetrar em vosso cérebro. Debaixo de minha axila direita há um camaleão, que lhes move uma perpétua caçada, para não morrer de fome; é preciso que todos vivam. Mas, quando uma das partes desmancha completamente as artimanhas do outro, não encontram nada melhor para fazer, sem incomodar-se, que sugar a gordura delicada que recobre minhas costas: já me acostumei. Uma víbora malvada devorou minha vara, e tomou seu lugar; tornou-me eunuco, essa infame. Ó! se eu houvesse sido capaz de me defender com meus braços paralisados; mas creio que esses se transformaram em achas de lenha. Seja como for, importa constatar que o sangue não vem mais passear aí seu rubor. Dois pequenos ouriços, que não crescem mais, jogaram a um cão, que não os recusou, o interior os meus testículos; a epiderme, cuidadosamente lavada, lhes serve de ninho. O ânus foi interceptado por um caranguejo; encorajado por minha inércia, toma conta da entrada com suas pinças, e me dói muito! Duas medusas atravessaram os mares, imediatamente atraídas por uma esperança que não foi traída. Olharam com atenção as duas partes carnudas que formam o traseiro humano, e, grudando-se a seu contorno convexo, esmagaram-na a tal ponto por uma pressão constante, que os dois pedaços de carne desapareceram, enquanto permanecem dois monstros saídos do reino da viscosidade, iguais nas cores, na forma e na ferocidade. Não falai da minha coluna vertebral, pois esta é uma espada."

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