domingo, 22 de agosto de 2010

Definir performance é um falso problema

Atriz, performer, a carioca Eleonora Fabião está em Fortaleza ministrando o módulo Dança e Performance, do curso Dança e Pensamento, promovido pela Vila das Artes, que prossegue até sexta (10). Doutora em Estudos da Performance pela New York University, Fabião fala na entrevista a seguir sobre alguns aspectos que permeiam sua pesquisa: a relação da performance com as artes e como o conceito desestabiliza uma idéia preconcebida entre o performer-ativo e espectador-passivo

O conceito de performance ligado à arte é bem escorregadio e, por outro lado, existe uma visão mais senso comum do termo bem limitadora. O que realmente é performance? Existe um conceito mais fechado do termo?
A performance é uma prática artística que se desenvolve como gênero ao longo da segunda metade do século XX, ou seja, depois da Segunda Guerra Mundial e suas catástrofes correlatas. Digo “se desenvolve como gênero” pois muitos historiadores defendem a idéia de que as origens das práticas performativas são mais remotas. Alguns propõe que a performance tem suas raízes fincadas nos movimentos de vanguarda do início do século (dadaísmo, surrealismo etc.). Outros sugerem que a performance é tão antiga quanto o ritual. É importante enfatizar que a noção de performance como a conhecemos hoje aparece por volta dos anos 1960, quando inúmeras manifestações artísticas - que não podiam ser classificadas como teatro, dança, pintura, escultura ou qualquer outro gênero previamente conhecido - começam a acontecer simultaneamente pelo mundo afora. A performance surge no cenário pós-guerra como uma denúncia, uma resposta e uma proposta. Gosto de colocar a performance em perspectiva histórica e relativizar sua origem ao invés de buscar defini-la ou enquadrá-la teoricamente. A estratégia da performance é resistir a definições. Ela trata justamente de desnortear classificações, de desconstruir modos tradicionais de produção e recepção artística. É um expoente da arte contemporânea porque suspende certezas sobre o que seja “obra de arte”, “espectador” e “artista” ao lançar perguntas desconcertantemente fundamentais como: o que é arte? o que move a arte? o quê a arte move? quê arte move? Enquanto gênero, a performance não fixa formas espaciais ou temporais, não utiliza mídias ou materiais específicos, nem estabelece modos de recepção ou critérios de documentação. Alguns performers trabalham em espaços públicos, outros em galerias ou demais espaços destinados à fruição artística, outros em seus próprios estúdios ou casas, enquanto outros preferem espaços rurais. O mesmo sobre a temporalidade da performance: há peças com duração de um ano enquanto outras duram horas, minutos ou mesmo segundos. Quanto às mídias e materiais utilizados pelos artistas, a diversidade também é grande. Quanto à recepção da performance, também impera a indeterminação: alguns artistas performam para espectadores (que tornam-se cúmplices ou testemunhas de seus feitos), outros com os espectadores (que tornam-se assistentes e até mesmo co-realizadores do evento), e outros sem espectadores (e optam por documentar ou não as ações realizadas). Há também aqueles artistas que criam proposições para serem realizadas não por eles, mas pelos próprios “espectadores”. Ou ainda, numa versão radicalmente diferente, aqueles que contratam e pagam pessoas para performar suas propostas. Trocando em miúdos: tentar definir a performance não é apenas contraditório ou redutor, é mesmo impossível. Definir performance é um falso problema. Porém, claro, há fatores comuns entre peças de performance. Sobretudo a ênfase no corpo como tema e matéria. Me restrinjo a destacar algumas tendências gerais: o desmonte de mecânicas clássicas do espetáculo, a desconstrução da representação, o desinteresse pela ficção, a investigação dos limites entre arte e não-arte, a investigação das capacidades psicofísicas do performer, a criação de dramaturgias pessoais e/ou auto-biográficas, a ênfase nas políticas de identidade e em discussões políticas em geral através do corpo e as experimentações em torno das qualidades de presença do espectador.

Qual a relação entre performance e arte, já que performance, de certa forma, está ligada a manifestações distintas de arte? Até que ponto a arte é devedora de uma concepção de performance, e vice-versa?
A hibridação de gêneros é uma das principais características da performance. Aliás, esta possibilidade de fusão ampla, geral e irrestrita de materiais e procedimentos é uma das principais características não apenas da performance mas da produção artística contemporânea. No estudo da teórica de teatro alemã Erika-Fischer-Lichte, intitulado “O Poder Transformador da Performance” (The Transformative Power of Performance), ela propõe que desde o início dos anos 1960, a arte ocidental experimenta o que chama de “performative turn”. Segundo Fischer-Lichte, esta virada performativa inclui todos os gêneros artísticos -cujas fronteiras tornam-se mais fluidas - além de dar origem a performance art propriamente dita. Nas artes visuais, a action painting, a body art, as instalações e as obras de site specific são exemplos deste caráter performativo. Na música, experimentações em torno de temas como “música cênica”, “música visual”, “teatro instrumental” também são exemplos. No teatro, o interesse crescente pela desconstrução da narrativa e da ficção em favor da inclusão do espectador numa cena cada vez mais porosa é outro traço performativo marcante. De modo geral o “performative turn” aponta para a seguinte tendência: o crescente desinteresse pela noção de obra de arte enquanto resultado final do trabalho do artista a ser absorvido e interpretado pelo espectador e, em contrapartida, a crescente valorização do evento que inclui o espectador como elemento constitutivo.

Sua pesquisa parte do princípio de uma desestabilização na relação performer-espectador, principalmente de uma dicotomia bastante difundida da idéia de um performer ativo e um espectador passivo. De que modo seus trabalhos e pesquisas se propõem a buscar uma colaboração entre esses dois agentes?

Para te responder vou comentar resumidamente uma performance - “Ações Cariocas” - que realizei faz pouco tempo no Largo da Carioca [uma das praças mais movimentadas do Centro do Rio de Janeiro]. Para realizar a primeira “Ação Carioca”, levo para o Largo duas cadeiras da cozinha da minha casa, um bloco formato A2 e uma caneta pilot. Quando chego no local escolhido do Largo, tiro o sapato, coloco uma cadeira diante da outra, escrevo no bloco “converso sobre qualquer assunto”, levanto o cartaz e espero. No primeiro dia não fazia idéia do que iria acontecer. Minha motivação era muito clara: dialogar com meus concidadãos, tentar recuperar meu interesse e amor pela cidade onde cresci e que, por conta da corrupção política e da truculência criminosa, tornou-se uma violenta cultura do medo. Para reagir contra minha prostração e frustração resolvi ir para a rua, conversar com quem quisesse conversar comigo, criar uma performance em que a receptividade fosse a chave dramatúrgica. Fato é que, logo depois de erguer o cartaz, quase imediatamente depois, uma pessoa sentou-se comigo. E assim sucessivamente. Várias pessoas, todo tipo de gente, tantas conversas e assuntos que precisaria de páginas e páginas para descrever. No final de cada dia - permanecia cerca de quatro horas na rua e por vezes mais de uma hora com cada pessoa - estava eufórica, totalmente eletrizada, não exatamente pela ocupação de um espaço, mas pela abertura de uma dimensão, uma dimensão performativa; energizada pelo reencontro com a cidade e com a minha própria cidadania; energizada por podermos criar juntos, através do diálogo, e na medida de nossas micro-percepções e micro-políticas, novas possibilidades para nós, a arte e a cidade.

Falando sobre o conteúdo do módulo ´Dança e Performance´, existe uma aproximação maior entre performance e dança do que em relação a outras manifestações artísticas? Como o conceito de performance se insere no panorama da dança contemporânea?
Existe uma aproximação maior apenas na medida em que a dança sempre valorizou o corpo. O que não quer dizer que a dança tenha sempre valorizado um corpo que pensa ou um pensamento sobre criação de corpo e de mundo. Aqui lembro do teórico da dança André Lepecki, de seu trabalho voltado para o desenvolvimento de uma “dança-que-se-pensa”, uma dança capaz de reconhecer e rearticular as forças sociais, políticas e ideológicas que a condicionam. Desde os anos 1960, dançarinos e coreógrafos interessados em repensar as possibilidades da dança vêm se perguntando o quê os move, e não simplesmente como mover-se. Foi numa entrevista com Pina Bausch [bailarina e coreógrafa recém falecida] que li esta articulação esclarecedora. Muitos dos ensaios desde a criação da companhia em Wuppertal nos anos 1970, desenvolviam-se em torno de perguntas que ela fazia aos dançarinos que, para respondê-las, lançavam mãos de todos os seus recursos expressivos (se necessário inclusive a voz e a palavra). Bausch opta por trabalhar com dançarinos mais velhos, opinativos, corpos marcados, etnias diversas, agentes muito diferentes da etérea bailarina clássica. Corpos que, sob a direção de Bausch, absorveram e transformaram as lições de ballet para criar o híbrido “dança-teatro”, movimento que abriu caminho para as atuais pesquisas da dança contemporânea. Seja de maneira consciente ou não, a dança contemporânea é fortemente inspirada pela performance. A dança contemporânea propõe uma revisão radical da definição tradicional de dança - “mover-se ritmicamente acompanhando uma música e, em geral, seguindo uma seqüência de passos”. Em muita dança contemporânea não se encontrará passos, nem música e, talvez, sequer movimento (se compreendido exclusivamente como deslocamento no espaço). Em contrapartida, a materialidade dos corpos, o desvendamento das convenções cênicas, as éticas relacionais e as políticas de identidade serão temas possivelmente evocados através de pesquisas que podem envolver desde lingüística, novas tecnologias e arquitetura até física, biologia e filosofia. Como a performance sugere, não interessa neste momento definir o que é a dança contemporânea, mas perguntar em cada aqui e a cada agora, o que queremos que dança seja. Cada espetáculo será pois uma resposta momentânea para esta questão recorrente.

FONTE:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=652907

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Re Enacting
clica ali!

blogue que achei, sem querer querendo, como sempre, de uma disciplina de performance, da UNIRIO, lidando com o re enacting
interessante ver .. processos pedagógicos performáticos

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Videoperformance: EURO


Euro, Lisboa, 2009.

Videoperformance concebida coletivamente por Inês Salpico (Lisboa), Andrea Matte (Chile) e Estêvão Haeser (Brasil).
Fotografia: Andrea Matte
Captação do áudio: Inês Salpico
Texto: Estêvão Haeser

Agradecimento especial à querida amiga Paula Naia que cedeu o espaço no Palácio Marquês do Pombal (prédio do século XVIII, sede do IADE CHIADO CENTER, em Lisboa).

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Cerimônia

"A possibilidade mais marcante do estético é a de produzir uma 'concentração máxima da atenção sobre um dado objeto' (Mukarovský). No contexto dessa argumentação, ele [Mukarovský] introduz um exemplo que se revela imediatamente condizente com a nossa observação: a importância da função estética em todo tipo de cerimônia, o fator estético 'isolante' que é inerente a toda festividade. Ora, é evidente que a prática do teatro sempre possui uma dimensão do cerimonial. O teatro pós-dramático é a substituição da ação dramática pela cerimônia, com a qual a ação dramático-cultual estava intrinsecamente ligada em seus primórdios. Jean Genet considerava o teatro espressamente como cerimônia, e a missa como a forma mais elevada do drama moderno. Para Genet, como constata Monique Borie, é o diálogo com os mortos que confere à obra de arte sua dimensão própria." (Hans-Thies Lehmann)

anjo + espada


+ cabeça - mão


terça-feira, 20 de abril de 2010

anatomia da boneca

pessoal dêem uma olhada no blog, tem várias referências de performance...
www.anatomiaboneca.blogspot.com

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Performare

Performare:
esse grupo tem um blog com uma comunidade que oferece um bom arquivo de textos sobre processos criativos, performance art, etc

Casa - Corpo Lygia Clark




A PROJEÇÃO DO CORPO NO CONTEXTO DA OBRA - UMA REFLEXÃO A PARTIR DA INSTALAÇÃO “A CASA É O CORPO” DE LYGIA CLARK
Dione Veiga Vieira
Estado Crítico - Estado Crítico

Lygia Clark. “A Casa é o Corpo: Labirinto”, 1968. Instalaçãorealizada no MAM-RJ e na Bienal de Veneza, em 1968.

O corpo como enfoque das reflexões da obra – com exceção daquela que usa o próprio corpo como suporte – não é mais percebido unicamente por suas características basilares, e sim como parte da imensa teia de significações que a obra opera. Uma vez que o corpo, concebido no cruzamento de conceitos e processos, passa a ser compreendido – tanto na experiência artística quanto na experiência reflexiva – como algo amalgamado ao contexto da obra. O corpo, nesse nível de percepção e análise, está impregnado de um rumoroso mundo externo a ponto de confundir-se com o mesmo e permanecer na impossibilidade de uma identidade conferida apenas por suas inerentes singularidades. O corpo pertence ao espaço do mundo, com o qual nunca atinge uma estabilidade.
Freqüentemente podemos observar em certas propostas de arte que o corpo físico se faz entrever fragmentado, desconstruído, ou distorcido, e assim, (e apesar disso) facilmente identificável. Porém em outras, o corpo encontra-se tão pulverizado em múltiplas referências – sociais, históricas, políticas, científicas, metafísicas, etc. – que não há qualquer elemento identificador de sua organicidade. Em todas essas abordagens, há sempre uma idéia de prolongamento do corpo – o corpo individual está expandido em seus desdobramentos conceituais e, ao mesmo tempo, na acepção plástica da obra.
Casa e corpo – uma engrenagem simbólica
Há exatamente quarenta anos atrás, Lygia Clark (1920-1988) apresentou, duas vezes, e no mesmo ano, a instalação “A Casa é o Corpo”, obra de fundamental importância para a história da arte brasileira: pela primeira vez, no MAM-RJ e posteriormente, na Bienal de Veneza, quando expôs em sala especial, toda a sua trajetória artística até aquele momento, em 1968.
“A Casa é o Corpo” se constituía de um grande balão plástico situado no centro de uma estrutura formada por dois compartimentos laterais e um labirinto de 8 metros de comprimento – uma obra-ambiente concebida “para ser penetrada pelo visitante como abrigo poético” (MILLIET, Maria Alice. 1992. p.111)
A palavra “abrigo” proclama a função primordial da casa: a de abrigar o corpo. Nesse caso, a casa-obra de Clark é basicamente um espaço que “acolhe” o público para a revivência intra-uterina. A obra-casa é um corpo fecundo – um imenso útero; um espaço-continente. O título da instalação aponta essa determinada compreensão, porém, por si só, evoca outros imprecisos sentidos, os quais, inevitavelmente, repercutirão em inexauríveis leituras.
A Casa é o Corpo – o coletivo e o individual
A instalação “A Casa é o Corpo” funda a noção clarkiana de “corpo coletivo” a qual, através de outras proposições, passa a se desenvolver muito significativamente ao longo dos anos 70, época da ditadura militar no Brasil. Nessa época, dedicando-se às “vivências criativas”, e no objetivo de distanciar-se cada vez mais do objeto, Clark continuava se referindo ao termo “abrigo poético” ao mesmo tempo em que inverteu as palavras do título da instalação e, enunciou: “o corpo é a casa”. O corpo que, a partir daquele momento, passa a ser o meio estruturante das “ações vivenciadas”; das ações coletivas transformadoras, ou transgressoras – porque “o gesto é soberano e insubmisso a qualquer regra” (MILLIET, Maria Alice. 1992. p.117). Evidentemente que essa “poética de corpo” construída na emergência de uma imaginação criadora e crítica, continha nítidas intenções anti-establishment – e não somente em relação ao sistema das artes.
É importante ressaltarmos que nessas ações coletivas, os corpos individuais dos participantes tornavam-se um “todo orgânico” ou, uma “arquitetura viva”, conforme Clark. “Trata-se de um abrigo poético onde habitar é equivalente do comunicar” (Clark in MILLIET, Maria Alice. 1992. p.131). As ações, através dos gestos dos participantes, construíam esse “corpo-casa”, ou mais precisamente, essa obra com qualidade de corpo no sentido atribuído por Merleau Ponty: “Ser corpo, (...), é estar atado a um certo mundo” (PONTY, Merleau. 1999. p.205).
A Casa é o Corpo – na Contemporaneidade
O embate “corpo individual x corpo coletivo” está geralmente referenciado conscientemente pelo próprio artista. Doris Salcedo (1958), por exemplo, artista colombiana, ao usar roupas, móveis e objetos domésticos – em obras realizadas na década de 90 e, até início de 2000 – estava, sobretudo, se referindo às atrocidades políticas cometidas em seu país. O título da obra “La Casa Viuda” (A Casa Viúva, 1992 -1995), se refere à expressão colombiana que aponta o lar em que subitamente um membro da família desapareceu pela violência política.
Para Salcedo, os móveis, alterados com cimento, e por vezes desarticulados ou, empilhados em grandes blocos, plasmam a idéia de brutalidade suportada pelo indivíduo e, por conseguinte pela coletividade. A imagem da “casa”, re-significada na obra de arte, reflete sobre o “corpo individual” dentro do “corpo social”: essa é uma reflexão de corpo em sua totalidade. O espaço da moradia representado tanto pelos aspectos arquiteturais internos e externos, quanto pelo mobiliário e objetos cotidianos, perpassa, além do conceito de “abrigo” ou, de “espaço privado”, a idéia de um “espaço coletivo” primordial. A casa é o ambiente em que se processam os primeiros sentimentos de coletividade; o lugar onde se estruturam modelos de sociedade baseados na organização familiar. Assim, a casa constitui o espaço fundamental das experiências socializantes, e como tal estabelece uma metáfora poderosa do “corpo coletivo” ou, do “corpo social” – uma simbologia que se faz muito presente na arte contemporânea.
Cildo Meirelles (1948) Tunga (1952), Adriana Varejão (1964) e José Bechara (1957) são alguns exemplos de artistas brasileiros – para citar apenas alguns – que, em certos momentos articulam os desdobramentos dessa premissa, cada um a seu modo, em uma escala de múltiplas variações conceituais e formais.








CAsa Exilada

Nova Turma começando agora. Ponta-pé inicial poético
"CAsa Exilada"
Bem Vindos

quinta-feira, 18 de março de 2010

26 e 27 de março/10 CPTA(centro de pesquisa teatral do ator) na usina às 20:00 no térrio

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Beuys criar e se criar

REcebi pela Lista Nucleo Aberto de Performance, resolvi compartilhar!

Joseph Beuys: Criar é se criar
Por Christina Fornaciari

Numerosos são os historiadores e críticos de arte que estabelecem um marco histórico em torno do qual desenvolvem seu pensamento. Ao tentar compreender o surgimento da arte moderna, Nicolas Bourriaud, em "Formes de vie", define como divisor de águas a racionalização do trabalho, ainda no Século XIX. Para Bourriaud, a modernidade artística surge ao mesmo tempo em que se instauram as práticas de divisão do trabalho, quando a produção industrial passa a reduzir o esforço humano a uma repetição de gestos imutáveis e cronometrados, condicionando o comportamento do homem (1). Em sua relação com o tempo e com o espaço, o homem se repete – levanta-se todos os dias no mesmo horário, para percorrer o mesmo trajeto em direção ao local de trabalho, onde exercerá os mesmos gestos repetidos em um ritmo pré-determinado, só então reencontrado um pequeno tempo/espaço não normatizado, onde possa simplesmente existir. Dessa forma, o que o fordismo e o taylorismo impõem, em última instância, é a separação entre a produção de bens materiais e a produção de si. Não há, nessa economia da produção industrial, espaço ou tempo para gestos que não contenham em si um fator remuneratório, gestos de individuação. Nesse contexto, a modernidade inaugura uma prática artística que contraria a produção industrial, ao propor a não separação entre os gestos de produção e os gestos de individuação, ao unir trabalho – a obra de arte – à vida do indivíduo – o artista/autor. Então, tanto quanto um quadro ou uma escultura, a modernidade artística valoriza também certos gestos de existência, certos modos de viver, valendo o imperativo principal que poderia se formular assim: faça de sua vida uma obra de arte.

É a partir dessa noção de arte que pretendo abordar alguns aspectos da obra do artista alemão Joseph Beuys. Apesar de sua vasta produção em escultura, aquarela, pintura e desenho, é a produção imaterial beuysiana – ações performáticas, suas aulas e sua biografia – que chama atenção diante do que Bourriaud denominou existência unificada.

Em 1964, no dia da comemoração aos 20 anos do fracasso do golpe de Stauffenberg contra Hitler, Beuys expôs sua autobiografia fictícia. Explicou, entre outras coisas, que a presença de gordura e feltro em quase todos os seus trabalhos, originou-se em seu encontro com uma população tribal da União Soviética, a qual teria salvado sua vida ao enrolá-lo nesses materiais após a queda de seu avião, metralhado durante a Segunda Guerra Mundial. Com este ato Beuys integra seu próprio personagem à sua problemática artística, recriando sua própria existência. Sua biografia, que remonta à cultura européia dos santos, onde esculturas invisíveis são erigida (2), não importa ser tida como verdadeira e nem como falsa, mas como uma lenda, no sentido da palavra em latim – aquilo que deve ser lido e dito, aquilo que é narrado. Recorrente e difusa, variável e não verificável, a lenda tem o status de verdade, ou assume seu lugar. No entanto, a lenda de Joseph Beuys deve ser tomada não como constituinte de uma verdade, mas pelo efeito de verdade que esta agrega a toda a análise de sua obra artística. É imprescindível à compreensão da produção beusyana que se recorra à lenda, da mesma forma como a lenda é constantemente alimentada e reafirmada pela obra.

O próprio Beuys, ao refletir sobre sua produção, afirma que "na verdade, esse choque ao final da guerra é minha primeira experiência, a experiência fundamental, a qual, de fato, foi o que me levou a começar a produzir arte, ou seja, a me orientar em direção a um começo radicalmente novo (3)"(minha tradução). Beuys está constantemente a alimentar sua obra com a lenda, retornando incessantemente ao início do ciclo que o criou como mito. Desta forma, Beuys se re-insere na própria obra, ao contrário do artista que se retira quando o trabalho está pronto. Ao aparecer em público sempre vestido em seu colete de aviador e chapéu de feltro, atributos simbólicos que o relacionam a sua biografia conturbada, Beuys, assim como um xamã, identifica sua existência a uma qualidade mítica que deve ser louvada – não por ser verdadeira, mas porque a própria sociedade admitiu sua proclamação, sem questionar se o que ele descreve foi realmente vivenciado.

Ao esculpir sua própria identidade, Beuys nos apresenta a máxima da arte moderna e seu conceito alargado de arte, onde a fala é pintura, e o pensamento, ação. Ao apresentar-se contra "o silêncio de Marcel Duchamp" (4), Beuys utiliza-se do princípio que ele mesmo denominou de "conferência permanente", no qual afirma o espaço ilimitado de seu campo de ação que pressupõe a presença do artista e seu poder de enunciação de si e de sua arte. Cada declaração sua, cada frase explicativa de sua obra é necessariamente parte da obra. Portanto, ele é responsável por sua fala, assim como um pintor é responsável por sua pintura. Por exemplo, a escultura para Beuys está intrinsecamente ligada à voz do artista, à sua presença, à sua lenda, à sua vida. Sua arte opõe-se a tudo o que é imutável, à medida em que constrói um espaço em constante transformação e perecimento. A sua escolha por trabalhar com materiais como gordura, animais mortos, mel, sangue, feltro, caracteriza essa necessidade de se situar em um processo de transformação. Longe de apresentar esses materiais em si mesmos, como obras de arte acabadas, Beuys utiliza-os como um ponto de partida, um lugar de onde reflexões possam aflorar.

Beuys utilizou a gordura pela primeira vez em uma performance realizada no "Festival of New Art", na Universidade de Aachen, na Alemanha, quando foi diretamente atacado por estudantes de direita. Enquanto ele derretia duas barras de gordura em pratos quentes, ouvia-se como trilha sonora o infame discurso do político alemão Joseph Goebbles, que veementemente convocava toda a população para entrar em estado de "guerra total". O confronto direto causado por essa experiência – Beuys foi agredido fisicamente, tendo o rosto atingido e ensangüentado, segurando um crucifixo contra os agressores – nos dá um quadro do que a obra de Beuys representa para ele mesmo: um desejo de "provocar as energias das pessoas e conduzi-las a uma discussão geral sobre os problemas presentes" , novamente retornando a um conceito alargado de arte, que envolve sua atuação cotidiana perante a sociedade, num contínuo processo de criação de si e de sua arte.

Xamanismo, presença física, construção de uma lenda, construção de si: a dimensão da obra de Beuys vai além da materialidade de sua produção, vai além de sua escultura social, sendo a própria vida do artista um dispositivo crucial, insubstituível. Na concepção beusyana, assim como na modernidade artística apontada por Bourriaud, a arte não está separada da vida, mas essa alarga sua prerrogativa natural, sendo o artista em si um material no qual esculpir, capaz de transformar estados mentais como nenhum outro pode fazer.

Christina Fornaciari é mestra em Performance pela Queen Mary's University of London e graduada em Teatro pelo Teatro Universitário da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais.

Notas:
1 BOURRIAUD, Nicolas. Formes de Vie. Paris, Editións Denoël, 1999.
2 BURCKHARDT, Jacqueline (org.), Una Discussione, Zurique, 1986. p 136.
3 HAL, Foster. Art Since 1990, (Vol. 2). Nova York: Thames and Hudson Inc., 2004. Pág. 481.
4 Beuys se revela contrário ao conceito de "anti-arte"em sua ação "O silêncio de Marcel Duchamp é superestimado", de 11 de novembro de 1964.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Valor Cultural por Teixeira Coelho

Valor cultural

Sumário: Valor cultural nas concepções fundamentalista e relativista; luta cultural e batalha simbólica; comunicação versus compreensão; valor nuclear da cultura; relativismo cultural e relativismo comum: pessimismo na análise, otimismo na ação.

Termos relacionados: Cultura, imaginário, efeito de mundo, globalização.

Em sentido estrito, o valor cultural é o responsável, em política cultural, pelas decisões sobre o que incentivar, em termos de produção e uso ou consumo, o que difundir e o que preservar. Sob esse aspecto, o patrimonialismo é um valor tanto quanto o criacionismo (v. política cultural e arte-ação). Em sentido amplo, valores culturais são todos aqueles que orientam um indivíduo, grupo ou coletividade, conformando suas visões de mundo e manifestando-se em todas suas representações: a igualdade de todos perante a lei ou a discriminação, o respeito ou a violência, a dignidade da mulher ou o machismo, etc. As fontes de valor cultural têm as mais diversas localizações: um modo cultural em particular (cultura popular, cultura erudita, cultura nacional-popular, cultura oficial), uma classe social ou profissional, um segmento religioso, um ideal político, uma luta histórica contra inimigo externo ou entre grupos internos, etc.

Os valores culturais são passíveis 1 de duas abordagens distintas: a fundamentalista, para a qual existem apenas alguns valores a considerar como guias da produção cultural, evidentes por si só e inquestionáveis (sejam os valores de uma classe social, crença religiosa, etc.), e a relativista, que entende terem, as culturas, diferentes percepções responsáveis por diferentes visões de mundo, não sendo possível defender a ascendência de umas sobre as outras.

Fundamentalistas e relativistas, com suas diferenças de opinião, parecem concordar porém em dois pontos: 1) cultura significa uma luta contra o caos; e 2) cultura significa luta contra outras culturas... Este segundo ponto deriva do entendimento de que os valores de predileção de uma cultura só podem ser afirmados mediante a derrota de outros valores e não por um processo de diálogo com eles (v. globalização). Isto implica a impossibilidade de compreensão verdadeira entre culturas diferentes no que diz respeito a seus núcleos de valores essenciais. Essa impossibilidade não elimina as tentativas de contato entre culturas diferentes (tentativas de comunicação entre culturas, entendida, se não como o oposto da compreensão, pelo menos como versão eufêmica desta), mas está na base das "falhas de comunicação" inevitáveis e, acaso, insuperáveis. Esta é uma posição que fundamentalistas e relativistas reivindicam como realista em contraste com o voluntarismo típico de toda política cultural, que consiste em acreditar ser possível estabelecer pontes entre culturas diferentes. Esta divergência entre voluntaristas (que dificilmente se reconhecem como tais) realistas recobre uma outra: a possibilidade de travarem-se batalhas simbólicas das quais resulte a imposição concreta de um valor sobre outro. Para alguns autores, é inútil tentar combater um símbolo com outro (opor a foice e o martelo à suástica) quando se quer derrotar um conjunto de valores: para consegui-lo, seria necessário atuar num nível de concretude indiscutível, que incluem medidas econômicas, esforços diplomáticos e, no limite, a guerra. Para esta concepção, símbolos geram apenas efeitos de discurso, quando o necessário é provocar efeitos de mundo. Outros acreditam que os símbolos, quando componentes do imaginário e, portanto, vinculados à dimensão simultaneamente arquetipal e ideográfica (ou perene e contextual) são capazes de sustentar com sucesso um choque do qual resulte a afirmação de determinados valores sobre outros (costuma-se lembrar, a respeito, que a atual, e ainda não definitiva, vitória do capitalismo sobre o comunismo de Estado começou várias décadas atrás quando o capitalismo foi capaz de impor seus símbolos, extraídos do American Way of Life, ao imaginário comunista; e discute-se ainda hoje se a tentativa de criação do "homem novo" na ex-URSS fracassou porque se pretendeu então travar apenas uma batalha simbólica contra o "homem velho"). Acredite-se ou não na eficácia da luta simbólica, o fato é que no Brasil há décadas inexiste qualquer conflito simbólico uma vez que a totalidade, ou quase, das mensagens simbólicas em circulação (filmes, estrangeiros ou nacionais; publicidade televisiva; jornais, etc.) opta por um único valor em suas variadas manifestações: o do desmanche (v. modos culturais pós-modernos). Enquanto isso, em outros países, como EUA e França, não há nenhuma hesitação, à direita como à esquerda, em não apenas incentivar a manifestação de todos os valores como, especificamente, de impulsionar os valores que combatam o desmanche cultural. Assim, por exemplo, em escolas de periferias violentas é possível ler-se cartazes que dizem: Respeito: você aprende, você conquista. E a luta simbólica em ação, como o mínimo que se pode tentar. No Brasil, iniciativa semelhante provavelmente seria considerada "careta", o que diz muito sobre o grau de desmanche aqui alcançado...

Um terceiro ponto comum parece unir fundamentalistas e relativistas: aquele segundo o qual a própria idéia de cultura implica um valor primeiro e específico, inerente à cultura enquanto tal, expresso na proposição de que o ser humano precisa da cultura e tem de fazer o que for necessário para criar e manter a cultura. Isto exige do ser humano, não apenas para ter alguma substância interior como, simplesmente, para viver, que ele tenha valores, isto é, comprometa-se, engaje-se. Esta necessidade coloca o relativista diante de um dilema: valorizar a cultura mais do que a própria verdade - o que ele realiza lutando pela cultura mesmo sabendo que a cultura pela qual luta não é a verdadeira. Esta impostação filosófica do assunto traduz-se, no cotidiano da política cultural e, mais ainda, da ação cultural, na "palavra de ordem" segundo a qual o agente cultural deve ser pessimista na análise e otimista na ação. Este "otimismo" na ação, esta batalha pela cultura mesmo sabendo que a cultura não é a verdade, é o que distingue o relativismo cultural do relativismo comum, imobilista: do lado deste, a descrença absoluta e, do lado do primeiro, a necessidade de acreditar ao mesmo tempo em que contesta essa crença...

Referências:

Bloom, Allan. The closing of the american mind. New York, Simon and Schuster, 1987.

Heidegger, Martin. Nietzsche. New York, Harper & Row, 1961.

Nietzsche, F. Ceux qui veulent "amender' l'humanité in Crepuscule des idoles. Paris, Idées/ Gallimard, 1977.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

OI GALERA ENTREM NESSE ENDEREÇO E VOTEM NA MINHA CARTA... VALEU
SIRLEI KARCZESKI WWW.CIAATEMPORAL.BLOGSPOT.COM

Caixa de Música na Câmara

Existem lugares que eu raramente vou. A câmara de vereadores é um deles. As únicas duas vezes que fui até lá foram por um único motivo: teatro. Inclusive, foi lá a primeira vez que apresentei algo num palco, isso em 2003.

Na última quarta-feira fui  lá operar a luz de um espetáculo.

A estrutura desse teatro, o Glênio Peres, é bastante ruim, temos que sair do teatro, passar pelo hall e subir um andar para ir à cabine de som e luz. Subi e desci muitas vezes e numa dessas andanças o iluminador me mostrou a instalação que tem lá.
É fantástica.
É uma cabine vermelha, criada pela Katia Costa. O nome é caixa de música.
...

Vale a pena ir dar uma apreciada. No segundo andar da Câmara de Vereadores, na Loureiro da Silva,255.



Por dentro:


sexta-feira, 13 de novembro de 2009

COoperação e o amor definido por Maturana.

Uma Teoria da Cooperação Baseada em Maturana

AUGUSTO FRANCO – Escola de Redes
http://contexto4.blogspot.com/2008/05/7-competio-ou-cooperao.html

Há uma teoria da cooperação implícita na exposição precedente, cujos elementos principais, apenas elencados em três conjuntos, de modo não axiomático, são os seguintes:

Primeiro conjunto: a cooperação está na constituição do humano.

1 – O que nos torna humanos é a linguagem.
2 – Não é, fundamentalmente, o tamanho do cérebro o que torna possível a linguagem, e, sim, o modode conviver.
3 – O modo de conviver que torna possível a linguagem jamais se teria conservado sem uma forte emoção amistosa capaz de permitir a intimidade na convivência com certa permanência.
4 – Sem uma história de interações suficientemente recorrentes, abrangentes e extensas, em que haja aceitação mútua em um espaço aberto às coordenações de ações, não se pode esperar que surja a linguagem.
5 – A linguagem só pode surgir na cooperação.
6 – A cooperação está na constituição do humano.

Segundo conjunto: a cooperação está na fundação do social.

1 – Só há sistema social se houver recorrência de interações que resultem na coordenação condutual dos seres vivos que o compõem, quando tal recorrência de interações passa a ser um mecanismo mediante o qual estes seres vivos realizam sua autopoiesis.
2 – A cooperação se dá em todas as relações sociais.
3 – Nem todas as relações humanas são sociais, tampouco o são todas as coletividades humanas, porque nem todas se fundam na operacionalidade da aceitação mútua.
4 – Distintas emoções especificam distintos domínios de ações.
5 – Coletividades humanas fundadas em emoções não centradas na emoção amistosa que permite a intimidade na convivência com certa permanência – ou o ser com o outro – estarão constituídas em outros domínios de ações que não o da cooperação e do compartilhamento – em coordenações de ações que implicam a aceitação do outro como um legítimo outro na convivência – e não serão comunidades sociais.
6 – A cooperação não se dá nas relações de dominação e submissão; a obediência não é um ato de cooperação.
7 – Afirmamos que o indivíduo humano se realiza na defesa competitiva de seus interesses porque não nos damos conta de que toda individualidade é social e só se realiza quando inclui cooperativamente em seus interesses os interesses dos outros seres humanos que a sustentam.

Terceiro conjunto: a competição não funda o social nem constitui o humano.

1 – Não existe, biologicamente falando, contradição entre o social e o individual. Toda a contradição que a humanidade vive nesse domínio é de origem cultural.
2 – A conduta social está fundada na cooperação e não na competição.
3 – O fenômeno da competição é cultural.
4 – A cultura patriarcal nega a colaboração.
5 – A cultura patriarcal se caracteriza pela conservação de um modo de coexistência que valoriza a competição.
6 – O fenômeno da competição não se dá no âmbito biológico.
7 – Seres vivos não humanos não competem.
8 – Se dois animais se encontram diante de um alimento e somente um come, isso não é competição, porque não é central para o que se passa com o que come o fato de que o outro não coma. No âmbito humano, ao contrário, a competição constitui-se culturalmente quando o fato de que outro não obtenha o que alguém obtém é fundamental para constituir o modo de relação.
9 – O ato de compartilhar alimentos – uma forma de colaboração –, que está evolutivamente na origem do humano, não consiste em deixar que o outro coma a seu lado e, sim, em transferir o que se tempara o outro.
10 – A competição tem ganhadores e perdedores. A competição é ganha quando o outro fracassa diante de nós, e se constitui (em escala ampliada) quando a perspectiva de que isso ocorra, de fato, torna-se culturalmente desejável.
11 – A competição não participa da evolução do humano, que se dá pela conservação de um fenótipo ontogênico ou um modo de vida no qual o linguagear pode surgir.
12 – A linguagem não poderia ter surgido na competição.
13 – A competição não pode ser constitutiva do humano.

Uma teoria da cooperação construída a partir das assertivas expostas acima resulta em algo bastante distinto de uma teoria da cooperação (ou da cooperação versus competição) que possa ser extraída da teoria dos jogos. Na verdade, da teoria dos jogos não pode sair nenhuma teoria da cooperação humana, porque, para a teoria dos jogos, o homem é, fundamentalmente, um ser que faz escolhas racionais, enquanto a cooperação não é motivada por uma razão, mas por uma emoção.

A emoção que nos leva a cooperar não pode ser completamente rastreada pelo comportamento de jogadores em jogos iterados: embora jogadores, na vida real, se movam sempre a partir de emoções – mesmo quando julgam que se estão movendo pela escolha racional – o que a teoria dos jogos considera, quando os jogadores preferem a cooperação a partir da verificação de que, no longo prazo, ela é mais vantajosa (altruísmo instrumental), é a afirmação da razão do indivíduo como “átomo” de interesse e não como indivíduo que só se realiza quando seus interesses tornam-se, em alguma medida, congruentes com interesses dos outros indivíduos que constituem o meio social a que pertence. Ora, quando há cooperação, é a “molécula social” de interesse que se realiza. Mas a consciência de que é a “molécula social” de interesse que se deve realizar não emerge por força de um raciocinar e, sim, de um emocionar, como atestam a resposta emocional de satisfação que todos obtemos quando cooperamos, e de insatisfação quando somos chamados a cooperar e não o fazemos.

Neste caso, em geral, nos vemos forçados a arranjar uma explicação racional para a omissão, ou para a deserção – para usar o jargão da teoria dos jogos. O termo, aliás, revela-se muito adequado: não cooperar é, em certo sentido, uma deserção social.

O que Maturana diz é que o emocionar que nos leva a cooperar é propriamente humano, porquanto nos constitui como seres humano-sociais, mas tem raízes biológicas: existe algo como uma “pegajosidade biológica” que, manifestando-se já no primata bípede que nos precedeu, possibilitou a deriva filogênica humana que resultou na linguagem. Entretanto, o emocionar que nos leva a competir não tem raízes biológicas e não pode ser encontrado em nenhum emocionar animal não humano.

Nenhuma espécie não humana compete, ainda que nosso olhar humano, lançado a partir uma cultura competitiva, interprete o deslizar dos seres vivos não humanos uns sobre os outros e uns com os outros – em congruência recíproca na conservação da sua autopoiesis e da sua correspondência com um meio que inclui a presença de outros – como uma forma de competição. Aliás, o primata bípede que nos antecedeu jamais se teria humanizado (ou hominizado) se tivesse vivido num ambiente predominantemente competitivo porque, nesse caso, não poderia ter se firmado uma história de interações suficientemente recorrentes, abrangentes e extensas, onde houvesse aceitação mútua em um espaço aberto às coordenações de ações, para que surgisse a linguagem.

Somente de uma teoria dos jogos que considerasse a “emotional motivation” (que está na raiz da rational choice) do ser emocional-racional que é, de fato, o ser humano poderia ser derivada uma teoria da cooperação. Já uma teoria da competição – que não é, ao contrário do que às vezes se pensa, uma imagem invertida da teoria da cooperação – seria uma teoria da cultura para o padrão civilizatório patriarcal em que vivemos.

Pode-se dizer que a visão de Maturana também tem lá os seus problemas. Por exemplo, o tratamento que ele dá à competição não deixa espaço para a existência do mercado; uma sociedade democrática sem mercado, nas circunstâncias do mundo atual, é uma sociedade que não pode realizar a democracia na esfera da vida econômica e, assim, não pode ser efetivamente democrática. Se a teoria de Maturana tivesse que servir de base para um programa para o estado atual do mundo, esse programa não levaria à uma sociedade inspirada pelos princípios de “participação, inclusão, colaboração, compreensão, acordo, respeito e co-inspiração” (Maturana, 1993: 27) característicos do modelo não patriarcal de sociedade, supostamente mais conformes à “biologia do amor”. Em outras palavras, não existem mediações nas elaborações intelectuais de Maturana, porque falta política nas suas teorias, inclusive onde não poderia faltar: na sua teoria da democracia. Não existindo mediações, não pode haver transição de um estado do mundo para outro.

Sustento, não obstante, que nada disso invalida as idéias de Maturana naquilo que essas idéias têm de fundamental. E divirjo daqueles que querem invalidar tais idéias com base em preconceitos com relação à utilização de categorias, consideradas não-científicas, como, por exemplo, a de “amor”. Tal como definido por ele – não como sentimento (psicológico), mas como emoção que possibilita uma proximidade continuada sem a qual não teria surgido o linguagear e, daí, o conversar que dá sequência ao humano propriamente dito – creio que o conceito está muito bem colocado.

A reação à utilização de categorias como “amor” nas teorias de Maturana, em geral, só fazem confirmar essas teorias. O amor é banido da racionalidade patriarcal e é deportado para o reino da poesia (de onde não consegue visto para reentrar na república dos sábios) porque, de fato, desorganiza essa racionalidade. Por outro lado, é sintomático do tipo de civilização em que vivemos que as pessoas não se assustem tanto com a palavra “violência” quanto com a palavra “amor”. Cenas de assassinato, mutilação, tortura, que nossas crianças assistem diariamente na TV, não são consideradas imorais, mas uma cena de uma pessoa beijando afetuosamente o sexo de outra seria um escândalo para a respeitável família patriarcal reunida após o jantar, mesmo que tal família, de fato, já não exista mais – porquanto a hipocrisia e o cretinismo moral que a caracterizam supervivem como tradição.

Maturana sustenta que relações hierárquicas e de trabalho, que existem em coletivos humanos, não são relações sociais. Ora, todas as relações que não são relações sociais – no particularíssimo sentido que ele atribui à expressão “relações sociais” – ou são relações competitivas ou, pelo menos, são relações que não induzem à cooperação, sendo que algumas delas induzem à competição regular e sistemática, como é o caso das relações hierárquicas. Portanto, para ele, não é que não possa haver relações competitivas em coletivos humanos e, sim, que essas relações não constituem o propriamente humano; quando tais relações competitivas se conservam como modo de vida transmissível culturalmente, acabam por impedir essa constituição e, no limite, inviabilizam a vida social humana e a própria vida humana (o que aqui se confunde, i. e., as duas dimensões – social e individual do humano – se fundem): nenhum grupo humano com grau zero de cooperação (ou com grau máximo de competição: todos sempre competindo com todos em todas as ocasiões) conseguiria se constituir sustentavelmente como sociedade humana e não se poderia dar, nestas circunstâncias, o fenômeno humano, por assim dizer. Em outras palavras, há um fator antropológico (que Maturana encara como biológico, também no sentido particularíssimo que atribui ao termo “biológico”) fundante das sociedades humanas e esse fator é a cooperação.

Por outro lado, não me parece correto afirmar que uma sociedade com grau máximo de cooperação (ou com grau zero de competição) não conseguiria se constituir sustentavelmente como sociedade humana. Essas coisas não são simétricas: cooperação não é competição negativa, não é competição com sinal trocado, nem vice-versa. São fenômenos distintos, embora correlacionáveis a posteriori por razão inversa. Mas a afirmação do primeiro, se não é acarretada pela negação do segundo, tampouco o evita.

Abre-se aqui um debate com os que acreditam que a biologia humana leva à competição.
Sobre isso, penso o seguinte. Achar que a competição esteja geneticamente inscrita no corpo humano parece ser mais uma questão de justificação de uma opção e, portanto, de ideologia moral, do que de observação ou conclusão científica. Para aumentar a verossimilhança da hipótese, supõem alguns que a competição já estaria arquivada no genoma de ancestrais evolutivos da espécie, de vez que também se verificaria, por exemplo, em primatas não humanos (como os chimpanzés).

SOBRE O TEXTO PUBLICADO AQUI
CONTEXTO 4 tem apenas um texto: “Uma Teoria da Cooperação baseada em Maturana”, que foi publicado em papel na revista Aminoácidos 4 (Brasília: AED, 2002). Está reproduzido aqui como um registro de um dos caminhos investigativos que me levaram a fazer explorações imaginativas no multiverso de conexões ocultas que configuram o que chamamos de social. As idéias de Maturana fazem parte do grande contexto de visões no qual estou escrevendo agora (em maio de 2008) o livro A REDE. Para acompanhar ou participar da elaboração clique em Nan Dai.

half full


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Originally uploaded by PaytonGuerra

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

o macaco quer!

O macaco quer comprar bananas!!

Este animal registrado nas fotos abaixo sou eu hibridizada de macaco da Arca de Noé em meu primeiro trabalho no teatro quando tinha 6 anos.
Como vocês podem ver, sou da família dos macacos:

o macaco e sua mãe...



o macaco e seu pai...



O arco-íris atrás é a Arca de Noé!
rrrsss, a arca GLS!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Quem quer comprar banana?

Chindogu

Chindogu não é necessariamente performance, mas também não deixa de ser... Essas "invenções" servem para questionar a funcionalidade embutida em tudo o que se produz e para colocar em evidência os outros possíveis que não são considerados no desenvolvimento tecnológico voltado para o pragmatismo (e por que não dizer, para o senso-comum) que domina a vida cotidiana. David Morley diz que "Esses objetos são criados para nos encorajar a pensar laterlmente sobre as premissas presumidas e não questionadas que são injetadas em formas estabelecidas de design, arquitetura e planejamento urbano e, portanto, considerar outros cenários possíveis mas anteriormente impensáveis." - [tradução minha] (Media, Modernity and Technology - The geography of the new)
Aí vão as fotos de dois inventos de Kanji Kawakami, o mentor do Chindogu:
Essa é a roupinha de bebê que limpa chão, e uma solução para os alérgicos poderem passear tranquilamente.




















Aqui está o link pra um vídeo com algumas das invenções...
Está tudo em japonês, mas as imagens valem a olhada...
E aqui, o link para um blog onde os 10 princípios do Chindogu estão traduzidos. Pra saber mais em inglês, veja esta página.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Imitação ARTE VIDA

A idéia raiz de mimeses foi sofisticada por Aristóteles mas não transmutada. Arte vem “sempre após” a experiência, a separação entre arte e vida é moldada na idéia de mimeses. É este “vir apos” e esta separação que foram decisivas para o desenvolvimento do teatro ocidental. Uma analogia deixará claro o que eu quero dizer com “vir apos”. Comida cozida “vem apos” comida crua.Cozimento é algo que é feito nas comidas cruas para transformá-las em comidas e, talvez, purificá-las. Tods as comidas cozidas foram um dia cruas, toda comida crua pode ser cozida. Algumas frutas e vegetais são comestíveis tanto cozidos ou crus, mas a maioria das carnes precisa ser cozida para ser considerada comestível. O processo de cozimento é irreversível. Não existe maneira de tornar crua uma comida que foi cozida. Assim é com a vida e a arte. Arte é cozida e a vida é crua. Fazer arte é o processo de transformar experiências cruas em formas palatáveis. Esta transformação é a mimeses, uma representação. Isso é o coração da teoria mimética. NA arte não mimética as fronteiras entre vida e arte – ou cru e cozido – são borradas e permeáveis. (Schchner 1988 -38)

Núcleo de Estudos da Subjetividade pós-graduação em psicologia clínica da puc-sp

Essa galera tem estudos provocantes e provocadores no campo da subjetividade e da arte. A coordenadora Suely Rolnik tem textos interessantissimos sobre Lygia Clark, minha sempre vovó!
Clica aqui e se delicia!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

William Schechner - Performance studies

O que é "performar"?

Em negócios, esportes e sexo, "performar" é fazer algo além do padrão – para obter êxito, para se destacar. Nas artes, "performar" é expressar-se em um show, uma peça, uma dança, um concerto. No dia-a-dia, "performar" é exibir-se, chegar a extremos, sublinhar uma ação para aqueles que estão olhando. No Século 21, como nunca antes, as pessoas vivem sob o signo da performance.

"Performar" também pode ser entendido relacionando-se a:

a. Ser
b. Fazer
c. Mostrar fazer
d. Explicar mostrar fazer

"Ser" é a existência em si mesma. "Fazer" é a atividade de tudo o que existe, dos quarks aos seres sencientes às supercordas galáticas. "Mostrar fazer" é performar: apontando, sublinhando e expondo o fazer. "Explicar 'mostrar fazer'" é o trabalho dos Performance Studies.

É muito importante distingui-los uns dos outros. "Ser" pode ser ativo ou estático, linear ou circular, expansivo ou contrativo, material ou espiritual. Ser é uma categoria filosófica apontando para o que quer que seja que as pessoas teorizem como sendo a "existência última". "Fazer" e "mostrar fazer" são ações. Fazer e mostrar estão sempre em fluxo, sempre mudando – o mundo do filósofo grego pré-socrático Heráclito, que disse, "Ninguém pode pisar duas vezes no mesmo rio, nem tocar uma substância mortal duas vezes na mesma condição". O quarto termo, "explicar mostrar fazer", é um esforço reflexivo para compreender o mundo da performance e o mundo como performance. Essa compreensão é geralmente o trabalho de críticos e estudantes. Mas, às vezes, no teatro brechtiano, em que o ator sai do papel para comentar o que o personagem está fazendo, e na performance criticamente desenvolvida, como 'Couple in the cage' (1992), de Guillermo Gómez-Peña (1955- ) e Coco Fusco (1960- ), uma performance é reflexiva.


Performances

Performances marcam identidades, dobram o tempo, remodelam e adornam o corpo e contam histórias. Performances – de arte, rituais ou vida corriqueira – são feitas de "twice-behaved behaviors", "comportamentos reconstruídos", ações performáticas que as pessoas treinam para fazer, que elas praticam e ensaiam. O treino e o esforço consciente em direção à arte é claro. Mas a vida também envolve anos de treinamento, de aprender partículas de comportamento apropriado, de descobrir como ajustar e performar a vida do indivíduo com as circunstâncias pessoais e sociais. A longa infância da espécie humana é um longo período de treinamento e ensaio para uma performance exitosa na vida adulta. A "graduação em adultez" é marcada em muitas culturas e religiões por ritos de iniciação. Mas, mesmo antes da adultez, algumas pessoas adaptam-se mais confortavelmente à vida que lhes foi atribuída do que outras, que resistem ou se rebelam. A maioria das pessoas vive numa tensão entre a resignação e a rebeldia. Ações sociais – políticas, protestos, revoluções e coisas do tipo – são esforços coletivos de larga escala ou para manter o status quo, ou para mudar o mundo. Todo o período do desenvolvimento humano individual pode ser estudado "como sendo" performance. Isso inclui eventos de larga escala como ações sociais, revoluções e política. Cada ação, não importa quão pequena ou abrangente, consiste de twice-behaved behaviors.

E o que dizer sobre as ações que são aparentemente "once-behaved" – o happening de Allan Kaprow (1927- ), por exemplo, ou uma ocorrência de dia-a-dia (cozinhar, vestir-se, fazer uma caminhada, falar com um amigo)? Até mesmo essas são construídas a partir de behaviors previamente behaved. Na verdade, a diariedade do dia-a-dia é, precisamente, sua familiaridade, seu "ser" construído de partículas de comportamento rearranjadas e modeladas com o propósito de servir a circunstâncias específicas. Arte "lifelike" - como Kaprow chama muitos de seus trabalhos – é próxima da vida diária. A arte de Kaprow sublinha ou destaca levemente o comportamento ordinário – prestando muita atenção em como uma comida é preparada, olhando as pegadas de alguém depois de caminhar no deserto. Prestando atenção em ações simples performadas no momento presente é desenvolver uma consciência zen com relação ao cotidiano, uma homenagem ao ordinário. Homenagear o ordinário é se dar conta de quão ritualística é a vida diária, o quanto a vida diária é formada de repetições. Não há "once-behaved behavior".

Há um paradoxo aqui. Pode estar certas ambas as teorias, a de Heráclito e a do comportamento restaurado? Performances são feitas de partículas de comportamento restaurado, mas cada performance é diferente da outra. Primeiro, determinadas partículas de comportamento podem ser recombinadas em variações infinitas. Segundo, nenhum evento pode exatamente copiar outro evento. Não só o comportamento em si – nuances de humor, tom de voz, linguagem corporal, e assim por diante, mas também a ocasião específica e o contexto fazem com que cada instante seja único. E o que dizer de replicantes ou clones reproduzidos mecânica, digital ou biologicamente? Pode ser que um filme ou uma uma peça de performance art digital sejam os mesmos a cada exibição. Mas o contexto de cada recepção faz com que cada instante seja diferente. Em outras palavras, a unicidade de um evento não está em sua materialidade, mas em sua interatividade. Então, se essa unicidade acontece em filmes ou eventos digitais, imagine em performances ao vivo, nas quais produção e recepção variam de instante para instante. Ou em nosso dia-a-dia, cujo contexto é impossível de controlar.


"A arte ocidental tem na verdade duas histórias, dentro do avant-garde: uma da 'artlike art' e outra da 'lifelike art'. [...] Para simplificar, a 'artlike art' defende que a arte é separada da vida e de tudo o mais, enquanto que a 'lifelike art' defende que a arte é conectada à vida e a tudo o mais. Em outras palavras, há uma arte a serviço da arte e uma arte a serviço da vida. Os fazedores da 'artlike art' tendem a ser especialistas; os da 'lifelike art', generalistas. [...] A 'artlike art' avant-garde ocupa a maioria da atenção dos artistas e do público. Ela é geralmente vista como séria e parte de uma tradição arte-histórica ocidental vigente, na qual a mente é separada do corpo, o indivíduo é separado das pessoas, a civilização é separada da natureza; e 'cada arte' é separada da ‘outra’. [...] A 'artlike arte' basicamente acredita (ou não nega) a continuidade dos gêneros tradicionalmente separados – artes visuais, música, dança, literatura, teatro etc. [...] A 'lifelike art' avant-garde, em contrapartida, diz respeito a uma intermitente minoria (futuristas, dadaístas, happeners, fluxartistas, Earthworkers, body artists, provos, artistas postais, ruidistas, poetas performáticos, artistas xamânicos, conceitualistas)." (KAPROW, Allan. The real experiment. 1983.)


Estruturas, funções, processos e experiências

Rituais e ritualizações podem ser entendidos de pelo menos quatro perspectivas:

1. Estruturas – como os rituais se parecem e soam, como eles usam o espaço, quem os performa e como eles são performados.

2. Funções – o que os rituais realizam para os grupos, as culturas e os indivíduos.

3. Processos – a dinâmica de alicerce guiando os rituais; como eles representam as mudanças e como eles as provocam.

4. Experiências – como é estar "em" um ritual.

Os etologistas estudam a continuidade entre os rituais humanos e os animais, particularmente como eles controlam e redirecionam a agressividade, a hierarquia estabelecida e mantida e o território marcado e defendido. Neuropsicólogos acreditam que certos ritmos repetitivos estimulam o cérebro, levam a uma "experiência oceânica" de bem-estar máximo. Paleontólogos estudando a "arte" das cavernas da Europa supuseram que a caça e os rituais de fertilidade eram provavelmente performados em associação com pinturas e esculturas. A "arte" pode ter sido uma depositária da memória grupal antes da escrita. Antropólogos observam e teorizam sobre a miríade de práticas ritualísticas das sociedades humanas de hoje. Teóricos da performance investigam os processos ritualísticos que sustenteam oficinas, ensaios e performances.

Somente uma parte da vasta literatura sobre rituais é relevante aos estudos da performance. Eu identifiquei sete temas-chave para explorar:

1. rituais como ações, como performances.
2. similaridades e diferenças entre os rituais humanos e animais.
3. rituais como performances subliminares acontecendo entre os estágios da vida e entre as identidades sociais.
4. o processo ritualístico.
5. dramas sociais.
6. a relação entre ritual e teatro em termos da díade eficácia-entretenimento.
7. a performance tem origem nos rituais ou não?


"O ritual está para os símbolos que ele dramatiza assim como a ação está para o pensamento; num segundo nível, o ritual integra pensamento e ação; e, num terceiro nível, um foco na performance ritualística integra nosso pensamento e a ação deles." (BELL, Catherine. Teoria ritualística, prática ritualística. 1992.)


Rituais humanos & rituais animais

Todos os animais, incluindo o homo sapiens, existem dentro da mesma teia ecológica sujeita aos mesmos processos evolutivos. Mas os animais não são todos iguais. Homologias [Aurélio: "Semelhança de estrutura e de origem, em partes de organismos taxonomicamente diferentes"] e analogias devem ser levadas adiante com cautela. É incorreto analisarmos em termos humanos a sacudida abdominal e o trabalho de patas da abelha melífera comunicando a outras abelhas as coordenadas geográficas da "dança" do néctar. Abelhas não podem improvisar, mudar os padrões básicos de movimento ou expressar os seus sentimentos (os quais as abelhas não têm em nenhum dos entedimentos humanos da palavra). Onde tudo é geneticamente determinado, onde não há aprendizagem, onde nenhum improviso é possível, onde nenhum erro ou descuido pode ocorrer, arte não há. Então o que as abelhas estão fazendo? Elas estão se comunicando na forma de um sistema simbólico de movimentos. Esse tipo de comunicação sugere uma conexão, uma de muitas, entre os rituais do homem e dos animais.

"[O biólogo inglês Julian] Huxley descobriu que certos padrões de movimento, no decorrer da filogenia [Aurélio: 'evolução das unidades taxonômicas; história evolucionária das espécies; filogênese'], perderam sua função específica original e tornaram-se puramente cerimônias 'simbólicas'. Ele chamou esse processo de ritualização e usou esse termo sem sinais de ser uma citação. Em outras palavras, ele equiparou os processos culturais destinados ao desenvolvimento de ritos humanos com os processos filogenéticos que dão origem às tão notáveis 'cerimônias' de animais. De um ponto-de-vista puramente funcional, essa equiparação é justificada, mesmo tendo em mente a diferença entre os processos culturais e filogenéticos. A tripla função de evitar confronto dentro do grupo, manter o grupo unido e realçá-lo como uma entidade independente contra outras unidades similares, é performada por um ritual culturalmente desenvolvido, tanto para uma estrita analogia quanto para ser digno de grande consideração. A formação dos ritos tradicionais deve se ter dado com o primeiro alvorecer da cultura humana, bem como num nível muito menor a formação do rito filogenético foi um pré-requisito para origem da organização social dos animais mais desenvolvidos. A repetição rítmica de um mesmo movimento é tão carcaterística de muitos e muitos rituais, tanto instintivos como culturais, que é desnecessário fornecer exemplos." (LORENZ, Konrad. On aggression. 1966.)

Será que esses dois estão indo ao teatro?

Teatro no conforto do lar

Acabei de ler a ultima edição do Jornal de teatro e uma das recomendações dele é o site Teatro para alguém.
Não sei se é uma novidade de fato ou se é uma velharia modernosa só pra mim, o negócio é que este site se propõe a ser uma "Casa de espetáculos" virtual, transmitindo estréias ao vivo e hospedando outras tantas coisicas do nosso país.

É a tecnologia.
Imaginem neste calor, em trajes de banho assistindo um espetáculo. Massa, né?
Se bem que nunca vi nada, em portaria alguma de teatro, falando contra usar trajes de banho.

Algo para se pensar.

Enfim.


Dei uma olhadinha de leve, mas ainda não assisti nada...

De qualquer forma, fica ai o serviço.

SiR

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Meu bisavô se vestia de mulher!


Duchamp, ese batutão, meu bisavovô, também gostava de se vestir de MULHER Sr. Schilling
esta obra aqui, é assinada por ELA
ROSE SELAVY
se chama:
Why not sneeze, Rrose Sélavy?, Marcel Duchamp, ready-made, 1921, Philadelphia Museum of Art, Filadélfia, E.U.A.

E vou te dizer Sr. Schilling que meu bisa pensou muito bem em escolher aquele urinol. Tanto tempo ja passou e ele ainda fede no seu narizinho! (eufemiiiismooooo). Sim Sr., o mijo do bisa acabou se misturado com o sangue da cultura, deformando tudo, dando terreno pra outros monstros nascerem, como eu.

(e eu tmbm gosto de me vestir de mulher seu Schiller, como meu bisa
e fiz uma homenagem pra ele)
CEST LA VIE! (NOT ART)

=D


Para completar uma wikadinha. Olha seo o comentário do BRETON! TRIQUE TRIQUE-ROLIMÃ
MAssa
ahuauhhua

Why Not Sneeze, Rose Sélavy?

From Wikipedia, the free encyclopedia


Marcel Duchamp. Why Not Sneeze Rose Sélavy?. 1921/64. Readymade: 152 marble cubes in the form of sugar cubes with thermometer and cuttlefishbone in a birdcage. 12.4 x 22.2 x 16.2 cm. Private collection.

Why not Sneeze, Rose Sélavy? is a 1921 "readymade" sculpture by Marcel Duchamp.

Duchamp made the piece as a birdcage containing a thermometer, a piece of cuttlebone and 151 marble cubes. He crafted the cubes to look like sugar cubes. Only when lifting the cage does it become clear that it is much heavier than it would be if the cubes were made of sugar.

About the sculpture, Duchamp said:

It is a Readymade in which the sugar is changed to marble. It is sort of a mythological effect.

André Breton wrote about Why not Sneeze, Rose Sélavy?:

I have in mind the occasion when Marcel Duchamp got hold of some friends to show them a cage which seemed to have no birds in it, but to be half-full of lumps of sugar. He asked them to lift the cage and they were surprised at its heaviness. What they had taken for lumps of sugar were really small lumps of marble which at great expense Duchamp had had sawn up specially for the purpose. The trick in my opinion is no worse than any other, and I would even say that it is worth nearly all the tricks of art put together.

iluminismo

Grifos em negrito, (...) e . . . para representar cortes & [comentários meus entre colchetes].



"Desde que Marcel Duchamp . . . mandou um urinol para ser exposto numa galeria de Nova York e, quase em seguida, em 1915, montou uma roda de bicicleta equilibrada sobre um pequeno banco e a fez passar por obra de arte, abriu-se a Caixa de Pandora dos horrores estéticos que a partir de então invadiram o cenário das exposições de arte. Para acentuar ainda mais o seu deboche para com o que até então se entendia como arte, Duchamp, um pândego, um moleque crescido, pintou um belo bigode numa imagem da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, ícone da pintura ocidental. Como ele não foi confinado num manicômio nem encarcerado por ofensas ao patrimônio estético (interessante observar que nunca o Direito Penal preocupou-se em classificar como crime hediondo quem de propósito fabricasse a feiura!), parte da vanguarda artística ocidental tomou-o como um profeta dos novos tempos. Estabeleceu-se então um deus nos acuda. (...) A gota d'água derradeira destas perversidades que acometem contra nós, pobres porto-alegrenses, foi a inauguração recente da Casa Monstro, situada na Rua dos Andradas. Pelo menos o autor, um jovem paulista [o genial Henrique Oliveira], enfim alguém sincero no ramo, não a escondeu atrás de um título esotérico ou poético: é monstruosa, sim! Trata-se da reprodução de um tumor que, inchado, é expelido pelas aberturas da construção e vem se mostrar aos olhos dos passantes, tal como se fora um abdômen de um canceroso recém aberto pelo bisturi de um cirurgião. Como se vê, uma maravilha!" (Voltaire Schilling)



"O artigo do historiador Voltaire Schilling A Cidade das Monstruosidades (ZH, 25/09/2009) tem lá o seu grau de aberração. (...)" (Gaudêncio Fidélis, Mestre em Arte pela New York University (NYU) e doutor em História da Arte pela State University of New York)



"(...) Sob muitos aspectos, entendo profundamente a indignação do professor Voltaire. Mas acho que seu texto é de uma infantilidade que faz rir. (...)" (Clóvis da Rolt)



"Ernst Gombrich nasceu na Áustria há cem anos . . . Ao completar 41 anos de idade, publicou 'A História da Arte', e depois disso poderia morrer. Aí está uma obra-prima que justifica uma vida. Talvez seja o livro de arte mais famoso do mundo. Pelo menos é o meu preferido, eu que leio bastante sobre o assunto, o que não adianta nada — não entendo lhufas de arte. Limito-me a seguir os ensinamentos do Professor Gombrich, que escreveu o seguinte: 'Não existem razões erradas para se gostar de uma obra de arte. Existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte.' (...) Lá em casa havia três reproduções de quadros do Miró. A primeira vez que as vi, não gostei delas. Depois, tentei entendê-las, porque é aquilo: a gente só gosta do que conhece. Dediquei-me com todo o empenho a esta tarefa. Sentava-me numa poltrona da sala e ficava olhando para os quadros. Olhando. Olhando. Sabia que na certa havia algo profundo além das figuras e das cores que divisava. Mas o quê? O quê??? Os quadros permaneceram durante anos pendurados naquela parede, sem que jamais os tivesse decifrado por completo. Terminei por me enternecer com a presença deles e até por apreciá-los, mas não pelo que representavam em termos de arte, porque isso, tanso, não entendi. (...) Quem entende de arte é assim. Aprecia a arte contemporânea, as abstrações, as instalações, mesmo as aparentemente tolas, que, no meu precário entender, são quase todas." (Davi Coimbra)



Gunter Axt - Como o problema em Porto Alegre poderia ser corrigido?

Voltaire Schilling - Sou pessimista. A tirania ideológica que os agentes culturais e os artistas plásticos exercem no nosso tempo deixa pouca margem para a oposição (todos os que a contestam são considerados: 1. nazistas; 2. fascistas; 3. stalinistas, 4. ignorantes, 5. reacionários e burros). O discurso da intimidação aos que os criticam tem sido uma arma eficaz para obter o silencio constrangedor da multidão que não quer ser taxada de imbecil pela vanguarda barulhenta dos nossos dias.



"Schopenhauer já colocou a nu essa estória de parecer ser 'difícil'. (...) Qual o problema com o belo? Concordo com o autor do artigo." (Marcelo Lied)



"Não importa se alguém acha bonita ou feia as obras citadas pelo professor. A opinião de cada um NÃO VALE NADA, só para si mesmo. O que importa é buscar a verdade sobre as obras. A verdade real. 'O que é, é, o que não é, não é'. E ESSAS OBRAS SÃO HORRÍVEIS!" (Charlus Potter)



"Finalmente alguém de bom senso para criticar essas porcarias que chamam de arte. As pessoas que fazem tais coisas não são e nunca serão artistas e pretendem impor seu ponto-de-vista obtuso acerca da vida e da arte a todas as pessoas. Parabéns pelo artigo." (Joaquim Bavaresco)



"Concordo com a ideia de despachar Voltaire para bem longe de Porto Alegre ou acabaremos sujeitos à limitação de só expor o que lhe agrada aos olhos. (O mau humor e a acidez lhe tirou toda e qualquer chance de ser levado a sério)." (Adriana Souza)



"O artigo do professor é ótimo. Revela o pensamento tacanho e preconceituoso do cidadão médio porto-alegrense. Arte não é sinônimo de belo e tampouco de obviedade. (...)" (Marcus Padilha)



"Àqueles dizendo que é preciso entender para criticar, enxerguem-se. Arte não é o domínio de alguns poucos auto-proclamados intelectuais, arte não é limitada à elite com 'formação'. Menos ainda quando é exposta publicamente, em espaços que pertencem à população. O autor do artigo está correto, sim, em criticar, pois o que vemos nesta cidade é uma aberração, e não arte. A reação pública que ocorre seguindo o artigo é o que os ditos 'artistas' mais temem, é a população finalmente percebendo sua farsa. É o povo declarando, como outra pessoa já comentou nesta página, que o REI ESTÁ NU." (André T)



"A arte é algo belo, até para quem não entende, qualquer arame enfarpado sendo juntado a algumas latas velhas hoje é considerado arte. E as pessoas ainda querem ter renda com isto. (...)" (Alberto Guterres)



"(...) A expressão de um intelectual conhecido, que expressa o que grande parte dos porto-alegrenses gostariam de dizer. Muito obrigado." (Vania Lupe Machado)



"(...) Em relação as 'obras de arte' o pior é que ainda pagamos por elas. Gasta-se uma fortuna com uma bienal que não acrescenta nada culturalmente. O Sr. Voltaire expressou fielmente o que a maioria pensa." (Levy Gonçalves de Souza)



"Despachar iria gerar custos, mais prático seria jogá-las ao fundo do Guaíba, que é o local aonde elas devem ir." (Marcinio Zilio)



"A arte tem que agradar o povo, a maioria. Tem que ter algo a ver com as tradições ou com aquilo que a população se identifique e se sinta bem ao olhar. (...)" (Sergio Luiz)



"Hoje em dia qualquer porcaria é arte, as quais deveriam ser proibidas e destruídas." (Luciano Metzler Fialho)



"Eu achei que esses levantes acerca da 'arte degenerada' tinham saído de moda pelo fim dos anos 30, na Alemanha. (...)" (Guilherme Dable)



"(...) Não se entende nada, e se aquilo são obras, quem é da área deve estar criando para eles mesmos, pois nada se entende. Ridículo tudo aquilo. Perdi meu tempo." (Humberto de Almeida Garcia Sobrinho)



" . . . o Voltare está correto. (...)" (Pedro Barros)



[Vamos julgar mais!! Quem sabe a gente colhe opinião de cada um dos moradores dos países de língua portuguesa? Teremos uma amostra ideal de avaliação artística.]



"Sim, professor!! E façamos como Hitler e condenemos toda a arte degenerada e quem a produz! Façamos de nossa Porto Alegre uma capital inspirada nos grandes mestres classicistas greco-romanos. Chega de tanta aberração produzida por essa classe de seres humanos de raça impura: os artistas. Heil!! (...)" (Thiago Martini)



"PINTURA CONTEMPORÂNEA, DANÇA CONTEMPORÂNEA ETC. ESTAMOS CERCADOS DE CONTEMPORANISMO, E COMO BEM EXPOSTO NO TEXTO, DE VERDADEIRAS MONSTRUOSIDADES. NÃO SE VAI A LUGAR NENHUM, É UM VAZIO, UM OCO E, AO MESMO TEMPO, UM CAOS. (...)" (FRITOLDO SILVA)



[Este aqui em cima nem precisa de negrito, ó. E será contatado por mim e pelo João para ser o curador - e o curandeiro - das nossas vidas, por que ele captou a Essência de Tudo.]



"Gosto é... gosto. (...)" (Carlos Antunes)



" . . . coloquem-nas nos depositos de entulhos que lá sim é lugar desse tipo de obra de arte." (Carlos Silva)



"Eu e minha família concordamos plenamente com o Professor. Cremos que Porto Alegre merece obras verdadeiramente de arte, que possam ser admiradas (e entendidas) por todos." (Rosangela Dornelles)



"(...) Abaixo as porcarias conteporâneas." (LUIS ALBERTO KAUER DE OLIVEIRA)



"Não entendo muito de arte mas trabalho do lado de uma galeria de arte e não tem nada igual aqui do lado . . . " (Marcelo Pereira)



"Monstruosidades são os argumentos usados no artigo contra a arte contemporânea, entre mediano e medíocre. Arte não é para bonito, é para provocar mesmo. Se é para embelezar a cidade, sugiro que as pessoas feias retirem-se das ruas - apesar de eu não saber quem decidirá sobre isso: o Voltaire, talvez..." (Eduardo Kersting)



"(...) Surpreendeu foi a grosseria, os termos vulgares, o reacionarismo, a intolerância vil. Quem é ele pra julgar o que é bonito ou feio? (...)" (Alessandra Maia)



" . . . é lamentável que desocupados venham promover este festival de horrores em Porto Alegre . . . Senhor Secretário de cultura vá trabalhar." (Carlos Alberto Funini)



"Entendo seu lado 'revoltadinho', Voltaire Schilling, mas existem formas mais nobres de se criticar e refletir. O seu texto não passa de uma crítica vazia e sem sentido. Fica a dica." (Edilson Cardoso)



" . . . para o fundo do oceano . . ." (Guilherme Spader)



[Cansei, agora.]