quarta-feira, 4 de novembro de 2009

William Schechner - Performance studies

O que é "performar"?

Em negócios, esportes e sexo, "performar" é fazer algo além do padrão – para obter êxito, para se destacar. Nas artes, "performar" é expressar-se em um show, uma peça, uma dança, um concerto. No dia-a-dia, "performar" é exibir-se, chegar a extremos, sublinhar uma ação para aqueles que estão olhando. No Século 21, como nunca antes, as pessoas vivem sob o signo da performance.

"Performar" também pode ser entendido relacionando-se a:

a. Ser
b. Fazer
c. Mostrar fazer
d. Explicar mostrar fazer

"Ser" é a existência em si mesma. "Fazer" é a atividade de tudo o que existe, dos quarks aos seres sencientes às supercordas galáticas. "Mostrar fazer" é performar: apontando, sublinhando e expondo o fazer. "Explicar 'mostrar fazer'" é o trabalho dos Performance Studies.

É muito importante distingui-los uns dos outros. "Ser" pode ser ativo ou estático, linear ou circular, expansivo ou contrativo, material ou espiritual. Ser é uma categoria filosófica apontando para o que quer que seja que as pessoas teorizem como sendo a "existência última". "Fazer" e "mostrar fazer" são ações. Fazer e mostrar estão sempre em fluxo, sempre mudando – o mundo do filósofo grego pré-socrático Heráclito, que disse, "Ninguém pode pisar duas vezes no mesmo rio, nem tocar uma substância mortal duas vezes na mesma condição". O quarto termo, "explicar mostrar fazer", é um esforço reflexivo para compreender o mundo da performance e o mundo como performance. Essa compreensão é geralmente o trabalho de críticos e estudantes. Mas, às vezes, no teatro brechtiano, em que o ator sai do papel para comentar o que o personagem está fazendo, e na performance criticamente desenvolvida, como 'Couple in the cage' (1992), de Guillermo Gómez-Peña (1955- ) e Coco Fusco (1960- ), uma performance é reflexiva.


Performances

Performances marcam identidades, dobram o tempo, remodelam e adornam o corpo e contam histórias. Performances – de arte, rituais ou vida corriqueira – são feitas de "twice-behaved behaviors", "comportamentos reconstruídos", ações performáticas que as pessoas treinam para fazer, que elas praticam e ensaiam. O treino e o esforço consciente em direção à arte é claro. Mas a vida também envolve anos de treinamento, de aprender partículas de comportamento apropriado, de descobrir como ajustar e performar a vida do indivíduo com as circunstâncias pessoais e sociais. A longa infância da espécie humana é um longo período de treinamento e ensaio para uma performance exitosa na vida adulta. A "graduação em adultez" é marcada em muitas culturas e religiões por ritos de iniciação. Mas, mesmo antes da adultez, algumas pessoas adaptam-se mais confortavelmente à vida que lhes foi atribuída do que outras, que resistem ou se rebelam. A maioria das pessoas vive numa tensão entre a resignação e a rebeldia. Ações sociais – políticas, protestos, revoluções e coisas do tipo – são esforços coletivos de larga escala ou para manter o status quo, ou para mudar o mundo. Todo o período do desenvolvimento humano individual pode ser estudado "como sendo" performance. Isso inclui eventos de larga escala como ações sociais, revoluções e política. Cada ação, não importa quão pequena ou abrangente, consiste de twice-behaved behaviors.

E o que dizer sobre as ações que são aparentemente "once-behaved" – o happening de Allan Kaprow (1927- ), por exemplo, ou uma ocorrência de dia-a-dia (cozinhar, vestir-se, fazer uma caminhada, falar com um amigo)? Até mesmo essas são construídas a partir de behaviors previamente behaved. Na verdade, a diariedade do dia-a-dia é, precisamente, sua familiaridade, seu "ser" construído de partículas de comportamento rearranjadas e modeladas com o propósito de servir a circunstâncias específicas. Arte "lifelike" - como Kaprow chama muitos de seus trabalhos – é próxima da vida diária. A arte de Kaprow sublinha ou destaca levemente o comportamento ordinário – prestando muita atenção em como uma comida é preparada, olhando as pegadas de alguém depois de caminhar no deserto. Prestando atenção em ações simples performadas no momento presente é desenvolver uma consciência zen com relação ao cotidiano, uma homenagem ao ordinário. Homenagear o ordinário é se dar conta de quão ritualística é a vida diária, o quanto a vida diária é formada de repetições. Não há "once-behaved behavior".

Há um paradoxo aqui. Pode estar certas ambas as teorias, a de Heráclito e a do comportamento restaurado? Performances são feitas de partículas de comportamento restaurado, mas cada performance é diferente da outra. Primeiro, determinadas partículas de comportamento podem ser recombinadas em variações infinitas. Segundo, nenhum evento pode exatamente copiar outro evento. Não só o comportamento em si – nuances de humor, tom de voz, linguagem corporal, e assim por diante, mas também a ocasião específica e o contexto fazem com que cada instante seja único. E o que dizer de replicantes ou clones reproduzidos mecânica, digital ou biologicamente? Pode ser que um filme ou uma uma peça de performance art digital sejam os mesmos a cada exibição. Mas o contexto de cada recepção faz com que cada instante seja diferente. Em outras palavras, a unicidade de um evento não está em sua materialidade, mas em sua interatividade. Então, se essa unicidade acontece em filmes ou eventos digitais, imagine em performances ao vivo, nas quais produção e recepção variam de instante para instante. Ou em nosso dia-a-dia, cujo contexto é impossível de controlar.


"A arte ocidental tem na verdade duas histórias, dentro do avant-garde: uma da 'artlike art' e outra da 'lifelike art'. [...] Para simplificar, a 'artlike art' defende que a arte é separada da vida e de tudo o mais, enquanto que a 'lifelike art' defende que a arte é conectada à vida e a tudo o mais. Em outras palavras, há uma arte a serviço da arte e uma arte a serviço da vida. Os fazedores da 'artlike art' tendem a ser especialistas; os da 'lifelike art', generalistas. [...] A 'artlike art' avant-garde ocupa a maioria da atenção dos artistas e do público. Ela é geralmente vista como séria e parte de uma tradição arte-histórica ocidental vigente, na qual a mente é separada do corpo, o indivíduo é separado das pessoas, a civilização é separada da natureza; e 'cada arte' é separada da ‘outra’. [...] A 'artlike arte' basicamente acredita (ou não nega) a continuidade dos gêneros tradicionalmente separados – artes visuais, música, dança, literatura, teatro etc. [...] A 'lifelike art' avant-garde, em contrapartida, diz respeito a uma intermitente minoria (futuristas, dadaístas, happeners, fluxartistas, Earthworkers, body artists, provos, artistas postais, ruidistas, poetas performáticos, artistas xamânicos, conceitualistas)." (KAPROW, Allan. The real experiment. 1983.)


Estruturas, funções, processos e experiências

Rituais e ritualizações podem ser entendidos de pelo menos quatro perspectivas:

1. Estruturas – como os rituais se parecem e soam, como eles usam o espaço, quem os performa e como eles são performados.

2. Funções – o que os rituais realizam para os grupos, as culturas e os indivíduos.

3. Processos – a dinâmica de alicerce guiando os rituais; como eles representam as mudanças e como eles as provocam.

4. Experiências – como é estar "em" um ritual.

Os etologistas estudam a continuidade entre os rituais humanos e os animais, particularmente como eles controlam e redirecionam a agressividade, a hierarquia estabelecida e mantida e o território marcado e defendido. Neuropsicólogos acreditam que certos ritmos repetitivos estimulam o cérebro, levam a uma "experiência oceânica" de bem-estar máximo. Paleontólogos estudando a "arte" das cavernas da Europa supuseram que a caça e os rituais de fertilidade eram provavelmente performados em associação com pinturas e esculturas. A "arte" pode ter sido uma depositária da memória grupal antes da escrita. Antropólogos observam e teorizam sobre a miríade de práticas ritualísticas das sociedades humanas de hoje. Teóricos da performance investigam os processos ritualísticos que sustenteam oficinas, ensaios e performances.

Somente uma parte da vasta literatura sobre rituais é relevante aos estudos da performance. Eu identifiquei sete temas-chave para explorar:

1. rituais como ações, como performances.
2. similaridades e diferenças entre os rituais humanos e animais.
3. rituais como performances subliminares acontecendo entre os estágios da vida e entre as identidades sociais.
4. o processo ritualístico.
5. dramas sociais.
6. a relação entre ritual e teatro em termos da díade eficácia-entretenimento.
7. a performance tem origem nos rituais ou não?


"O ritual está para os símbolos que ele dramatiza assim como a ação está para o pensamento; num segundo nível, o ritual integra pensamento e ação; e, num terceiro nível, um foco na performance ritualística integra nosso pensamento e a ação deles." (BELL, Catherine. Teoria ritualística, prática ritualística. 1992.)


Rituais humanos & rituais animais

Todos os animais, incluindo o homo sapiens, existem dentro da mesma teia ecológica sujeita aos mesmos processos evolutivos. Mas os animais não são todos iguais. Homologias [Aurélio: "Semelhança de estrutura e de origem, em partes de organismos taxonomicamente diferentes"] e analogias devem ser levadas adiante com cautela. É incorreto analisarmos em termos humanos a sacudida abdominal e o trabalho de patas da abelha melífera comunicando a outras abelhas as coordenadas geográficas da "dança" do néctar. Abelhas não podem improvisar, mudar os padrões básicos de movimento ou expressar os seus sentimentos (os quais as abelhas não têm em nenhum dos entedimentos humanos da palavra). Onde tudo é geneticamente determinado, onde não há aprendizagem, onde nenhum improviso é possível, onde nenhum erro ou descuido pode ocorrer, arte não há. Então o que as abelhas estão fazendo? Elas estão se comunicando na forma de um sistema simbólico de movimentos. Esse tipo de comunicação sugere uma conexão, uma de muitas, entre os rituais do homem e dos animais.

"[O biólogo inglês Julian] Huxley descobriu que certos padrões de movimento, no decorrer da filogenia [Aurélio: 'evolução das unidades taxonômicas; história evolucionária das espécies; filogênese'], perderam sua função específica original e tornaram-se puramente cerimônias 'simbólicas'. Ele chamou esse processo de ritualização e usou esse termo sem sinais de ser uma citação. Em outras palavras, ele equiparou os processos culturais destinados ao desenvolvimento de ritos humanos com os processos filogenéticos que dão origem às tão notáveis 'cerimônias' de animais. De um ponto-de-vista puramente funcional, essa equiparação é justificada, mesmo tendo em mente a diferença entre os processos culturais e filogenéticos. A tripla função de evitar confronto dentro do grupo, manter o grupo unido e realçá-lo como uma entidade independente contra outras unidades similares, é performada por um ritual culturalmente desenvolvido, tanto para uma estrita analogia quanto para ser digno de grande consideração. A formação dos ritos tradicionais deve se ter dado com o primeiro alvorecer da cultura humana, bem como num nível muito menor a formação do rito filogenético foi um pré-requisito para origem da organização social dos animais mais desenvolvidos. A repetição rítmica de um mesmo movimento é tão carcaterística de muitos e muitos rituais, tanto instintivos como culturais, que é desnecessário fornecer exemplos." (LORENZ, Konrad. On aggression. 1966.)

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