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performance - uma imagem-caósmica
antes de ler o texto, assista a este vídeo:
aqui, cerca de 17 artistas se encontram num parque num domingo à tarde, tapam a cara com a camiseta que estão vestindo e vão esfregar seus corpos uns nos outros junto a um tronco grande de árvore. a árvore e as pessoas que passam são as testemunhas da ação que leva o tempo de todos se juntarem em torno da árvore, esfregarem seus corpos, excitarem-se, e um a um tirarem a sua camiseta da cara e se afastarem do grupo. estes artistas fazem parte de uma oficina que integrou o 5º Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre chamada Oficina Cênica sobre experiências não vividas ministrada por Juan Navarro e Oscar Cornago. a idéia da oficina, segundo o realease do site do evento (http://ftrpa.com.br/workshops-2013) é "fazer uma intervenção urbana em espaço público onde se invente/crie um espaço onde é possível o improvável, o que ainda não chegou a ser."
senhoras e senhores,
o prefixo “per” para os gregos quer dizer uma forma de passagem., um meio pelo qual algo se dá, se apresenta. (per)formance, portanto, poderia ser traduzida como o que passa pela forma, o que possui uma forma termporária, de passagem. poderíamos dizer então que a imagem criada pela performance não é mais a imagem do objeto, da representação da coisa. a imagem é uma aparição, como já dizia Bergson, um sistema de ações e reações ao nível da matéria, do corpo. tratando-se assim, de uma imagem-movimento-tempo, uma imagem-processo. em vias de. em devir. uma imagem-caos.
com esta imagem-caos, não se pretende mais a dimensão do mundo de forma contínua, do ponto de vista da história clássica e da sua necessidade de correlacionar os fatos, buscar a origem, a estrutura. aqui, do agora, diante desta “agoridade” do presente, o corpo é caósmico. ele trata da imagem do caos - se é que existe esta imagem - de uma imagem sem vírgula, onde o que separa também compõe. onde o que é matéria é também espírito, onde o que é secreto se relaciona com o que se pode tocar, e onde o sujeito não é mais um mas sim muitos e diferentes entre si. uma imagem-ação que não pode ser representada, nem significada, é assignificante - inominável.
daqui de onde o mundo é dinâmico numa velocidade infinita, compondo-se em imagens hipercomplexas se localiza o que podemos chamar de performance. daqui de onde a matéria está em processo de se formar e logo em seguida de se deformar novamente se faz performance. imagem-corpo que está a todo momento se reatualizando, tomando uma outra forma na busca pelo imprevisível, pelo efêmero. e pelo choque, pelo impacto desta resignificação. o caos precipita neste processo de transmutação do corpo, onde este se torna espaço, fluxo, num movimento descontínuo e repleto de intensidades.
o que chamamos de performance art pretende levar ao extremo as nossas implicações políticas, sociais, morais e sensíveis. ela desmancha as significações coladas às percepções triviais e as opiniões que impregnam os sentimentos comuns do senso-comum. opera a partir do non-sense, é atemporal e antipsicológica, portanto exige do público bem mais que uma projeção! faz com que ele se force a pensar pois ela não traz uma imagem pasteurizada e com enunciado fácil. a performance é excêntrica, produz fissuras no ego, nos modos de subjetivação subalternos aos meios de comunicação e educação usuais. promove outros metabolismos em relação ao tempo, ao presente ao passado e ao futuro. quer o que é novo, o que é ainda uma experiência não vivida como no caso destes artistas. a experiência da performance entra na esfera coletiva e quem a vê não pára mais de sentí-la, de se movimentar a partir dela, de se reinventar.
a autoconsciência que estes artistas tinham do seu corpo no momento em que realizavam a ação no parque, seguramente se alastrou até os corpos dos que os viram ali naquela tarde, mesmo nos que na superfície seguissem impávidos tomando o seu chimarrão. e esta energia de contaminação que a performance pode causar, neste caso pela expropriação de valores antigos moralistas e hipócritas que causa, segue certamente se alastrando aos corpos dos que agora assistem uma parte da ação pela internet (vídeo acima). a performance não tem intenção nenhuma de acabar. ela mora no caos, na imagem-caósmica, no que não tem representação e não pode ser nomeado, pois não se relaciona apenas com a percepção de quem a vê, mas sim com todo o corpo, com o que está além da imaginação, portanto, da significação.
porto alegre se performa toda depois destes Santos Pecadores de Navarro Rei[1].
[1] Nome da intervenção realizada por 17 artistas no parque Farroupilha, na tarde de domingo, 16 de Abril de 2013.
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