quarta-feira, 16 de setembro de 2009

experiência monstruosa: relatório de observador



"Isso é um filme de terror?", perguntou uma mulher, no elevador com um ou dois monstros, não lembro. E o George Lucas diz que fez a primeira trilogia Star Wars com monstros de verdade só porque não havia computador para executar algo mais aproximado do que ele tinha em mente. Eu sou um amante do inusitado, daquilo que surpreende, que remexe as sinapses neuronais. Então eu me maravilhei vendo monstros de jornal caminhando feito astronautas...



... mudos (nem todos, mas não combinamos nada antes), feito seres sem voz e aprendendo a se locomover. E esses seres circulando "dentro da vida". Pegando elevador. Esperando ônibus. Trombando com cegos. Com cegos! Dois pares deles. Os monstros de jornal eram humanos renascendo transfigurados, aprendendo quase do zero a se relacionar com o mundo, com novas leis de percepção. Percebi, neste exato momento em que escrevo, que eu estava afeiçoado por aquelas criaturas, porque eu estava cuidando delas. Registrando seus primeiros passos como um pai coruja e a câmera digital da família. Eu já havia me afeiçoado aos colegas, OK, mas aqueles não eram mais os colegas, ou talvez os colegas embaralhados, nos dois sentidos: como se fosse o jogo de mexer os copos não-translúcidos e adivinhar qual deles contém cada coisa, e embaralhados no sentir. Embaralhados para o bem, como uma criança maravilhada ao descobrir o mundo, a experiência primeva necessária ao adulto, como defendeu Aldous Huxley em As portas da percepção. Eu, o papai, era melhor para mim às vezes cuidar, às vezes deixar o monstro seguir sozinho. Engraçada essa comparação. E daqui a pouco carregarei um álbum do Picasa com as imagens de toda a minha observação. A oficina toda está sendo muito importante para mim. Estou muito cansado, quase morto desde o acoplamento de duplas de anteontem, mas das 9h às 13h eu não lembro de cansaço ou dor nos músculos e perco a (fabricada?) noção de tempo. Por quê? Primeiro: autotelismo. (Segundo o Dicionário Aurélio, autotélico diz-se do que não tem finalidade ou sentido além ou fora de si. O E-Dicionário de Termos Literários chama autotélico aquilo que tem sentido apenas para si próprio, como no caso de um autor que supostamente escreve só para si mesmo, convencido de que a literatura é apenas entendível por quem a produziu. Aplica-se ainda à obra de arte que nega qualquer pragmatismo ou referência ao mundo exterior, como acontece na estética da arte pela arte. O adjetivo também pode ser antônimo de "didático".) Estou fazendo algo de gosto, e muito. Logo, estou presente no Agora, não estou pensando no passado nem no futuro. A semana está sendo enorme, por causa dessas manhãs atemporais e da densidade de experiências absorvidas pela carne humana. A de hoje foi mais empolgante que a de ontem, porque teve um fio condutor, não foi absolutamente qualquer coisa. Ontem em alguns momentos eu cheguei a me sentir digestivamente mal pela falta de rumo, porque excesso de caos também é ruim. Sigo os budistas na busca do caminho do meio, o meio entre a canção e o experimentalismo, entre o avant-garde e o pop, entre o caos e o minimalismo. Monstros de jornal não têm nenhum propósito aparentemente, mas o propósito são eles próprios, é o inesperado para aquele que está dentro da armadura jornalística e para aqueles que se deparam com a criatura. Ninguém sabe o que fazer e o que pensar, e isso é vida pura. Ou melhor, vida com suas puras impurezas, sem as purezas impuras das máquinas invisíveis, sem as automatizações da percepção, sem um sistema de acionamento de categorias conhecidas. Não fui empacotado, enmonstrado, logo, tive inveja, apesar de ao mesmo ter ficado satisfeito com o acompanhamento, a observação, a função de registro e de observação. Tomara que amanhã eu possa renascer, hehe. Uma coisa que eu quero salientar é a importância de ações como essa. A importância para o mundo. Tem gente que sonha em mudar o mundo e tenta fazê-lo diretamente, o que é impossível. É impossível com um querer, com um planejamento. As dimensões do planeta desanimam, o sistema esmaga. A única forma de mudar o mundo é mudar as pessoas. Não adianta querer mudar uma pessoa. Uma pessoa só muda se ela quer, da mesma forma que ela só pode aprender se quiser, ninguém a ensina nada. Ela se deixa aprender. Mas sem que um outro dite-lhe leis. A única forma de mudar as pessoas é começar mudando a si mesmo. Tornando-nos artistas da vida, injetadores de criatividade, catalisadores de "estética" (falando baixinho com a mão na frente da boca, hehe), plantamos mudança nas pessoas. Jogamos os tais anzóis. (Ou seriam elas que fisgam o peixe que lhes oferecemos?) O inusitado provoca movimento interno, desequilíbrio. "Em física, equilíbrio é morte", disse o físico Thomas Kuhn. Esse movimento, como um bater de asas de borboleta, da Teoria do Caos, pode formar uma onda gigante no outro extremo do planeta, se é que me entende. Um "sim" detona uma onda de "sins". "Dizer sim ao momento é dizer sim a toda a existência", segundo um diálogo do filme aquarelado Waking Life, do diretor Richard Linklater. Enfim, acredito em ações como essa, como aquelas que chamavam de flashmobs. Deveria haver mais disso. Principalmente em Porto Alegre, muito inerte. Mais uma coisa: uma relação que se pode fazer é que o jornalismo nos sufoca. Uma ideia que ainda vou fazer é tirar foto de uma banca de revistas e depois me fotografar (ou filmar) com essa foto na mão, em frente à mesma banca, com o mesmo enquadramento, colocando fogo na foto. "Prefira as eternidades às atualidades", escreveu Henry Thoureau. No final, os colegas renasceram. Não são mais os mesmos.





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